terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

As imagens e nossos corpos

Passeando pelo museu Thyssen-Bornemisa pude sentir o quanto somos influenciados pelo espaço que nos cerca. Da mesma forma que ao assistir um jogo de futebol, uma luta de UFC, ou um espetáculo acrobático, passear pelo museu fez com que meu corpo se mobilizasse em função das obras vistas.

Cada posição de corpo nas telas evocava um jogo muscular quase imperceptível dentro de mim, cada expressão facial nos quadros evocava emoções minhas, mudando minha forma de respirar, contrair ou relaxar o corpo. Sempre saí cansado dos museus, mas nunca havia entendido de forma tão visceral e profunda o porquê.

Acho que a diferença desta vez foi me libertar do jugo racional que o meu pensar impõe sobre minha alma. Dessa vez me deixei levar pelos meus olhos independente da fama do quadro ou do pintor, me movi pura e simplesmente por onde queria ir minha alma. Diferente do meu padrão comum, abri mão do querer ver tudo como sempre faço, com “medo” de perder algo importante.
Olhei para onde meus olhos quiseram olhar e pelo tempo que minha alma desejava. Não me intimidei por nomes de pintores, por seguranças do museu (que normalmente nos olham com um olhar de superioridade, autoridade e julgamento), nem pelo olhar de outros espectadores.

Toda minha percepção se aguçou quando entrei em uma sala e três quadros me encararam ao mesmo tempo, quase dei um passo atrás, não sabia se tinha feito algo inadequado, ou se apenas os três clamavam por minha atenção, numa disputa entre eles de quem era mais visto.

Eles me olharam e eu olhei para eles de volta. Me perguntei o que estariam pensando de mim naquele momento, sentiriam curiosidade,  ou seria mais uma invasão de privacidade? O que pensariam em sua época se uma pessoa como eu aparecesse na sua frente?
Com esse exercício me dei conta da estranheza que era ver aquelas figuras tão diferentes de mim e ao mesmo tempo tão próximas. Esses sentimentos tão opostos geravam uma tensão interna que era incomoda, porém ao mesmo tempo com certo desfrute, um pouco como pimenta na boca que arde mas ao mesmo tempo enriquece o sabor.


Com tudo isso que acontecia dentro de mim tenho que admitir que algo me chamou a atenção, apesar de não me pautar pelos quadros e artistas mais “cotados”, percebi que na grande maioria das vezes meus olhos eram “puxados” por eles, tinham um magnetismo inicial que produzia esse efeito de chamar a atenção, seguido de uma necessidade de ser olhado com mais tempo em todos seus detalhes. Eles nos seduzem e quase nos obrigam a passear nossos olhos por eles, são quase como os corpos de belas mulheres.
Uma das expressões que mais me vinham à cabeça era PQP!!! PQP como podem produzir tanta beleza de apenas uma tela e umas tantas cores de tinta??? Filho da p... como pode chacoalhar minha alma desse jeito???
Embora não seja dado à religião, juro em que vários momentos tinha vontade de me ajoelhar na frente deles e chorar, porque era como se conseguissem me conectar com o que há de mais bonito e puro no mundo. Em outros momentos a vontade era de me ajoelhar e vomitar. Vomitar toda a feiura do mundo, vomitar toda minha feiura...filhos da p...!!!



Cresce o paradoxo e me produz mais tensão interna, porque vi que a haviam coisas que eram lindas de tão belas e outras que eram lindas pelo horrível que expressavam.
Sinceramente não sei o que torna uma obra de arte uma jóia rara, não entendo o suficiente do assunto para tanto, mas pude perceber que mesmo olhando “sem preconceito” a grande maioria dos quadros que eu achava maravilhosos, ao ver o autor era alguém conhecido, ou seja, eles não estão onde estão apenas pela fama.


Esses artistas que rompem conceitos e técnicas, que têm várias obras consistentes e que seu brilhantismo permanece apesar do passar do tempo, esses se tornam mestres atemporais que falam de nossa alma.
Os artistas possuem esse dom, eles dobram nossos sentidos, todos eles, trazem agonia e/ou conforto, eles falam do homem que foi, é e será. Porém, o mais instigante é que, às vezes nem têm consciência disso, apenas pintam, esculpem, escrevem, preparam um prato ou compõem uma música. Expressam o seu pensar e sentir em suas obras, mas abrindo caminho para uma conexão maior que lhe é inconsciente. Pois é justamente nesse inconsciente que nossas almas se tocam e que posso beijar a mão de Monet, dançar com Van Gogh ou conversar com Bach.

A arte abre portas, nos conecta, nos instiga e então nos abandona.