sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Texto sobre o quadro Lutador de Egon Schiele

Hoje eu sou o diabo, acolho em minha pele todas as sombras do mundo.
Diferente do primeiro Portador da Luz, não produzo sombras, sou apenas o anteparo onde elas podem descansar. A cada nova sombra que surge, estico um pouco mais minha alma e pele, pois todas têm direito à morada.
Porém essas sombras não são estáticas, a cada movimento que faço, elas ganham vida como fotos em tela de cinema.
Talvez por isso eu me contorça tanto, para dar vida, vida às imagens.
De cada movimento meu surgem novas composições e histórias dessas tatuagens.
Quem olha para a minha pele, vê apenas o que se permite ver daquele ângulo, naquela hora, naquele movimento.
Por isso, cada um que tentar me ver terá uma percepção única e incompleta de meu ser.
Ocorre o mesmo quando me olho no espelho.
Já fui anjo, mãe e muitas coisas. Hoje sou apenas o diabo.



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Viva o aprofundamento

Nestes tempos de alto consumo de roupas, comidas, bebidas, eletrônicos e etc..., somou-se um consumo mais que pode parecer à princípio positivo, mas que a médio prazo, traz efeitos colaterais importantes. É o consumo da informação.
Embora a informação seja extremamente bem vinda, estratégica e importante, ocorreu que nos últimos tempos em virtude da quantidade e da massificação, essa informação passou a ser extremamente superficial.
Da mesma forma que foram desenvolvidos os fast-foods para resolver o problema da falta de tempo para comer, foram desenvolvidas as fast-informations.
Como sua prima gastronômica, onde as pessoas comem sem apreciar sabores ou atentar para suas reações corporais, as fast informations entram em nosso corpo/mente de maneira rápida, contundente e superficial não permitindo que nossos neurônios metabolizem as informações, não há tempo para o pensar nem linkar com outras informações igualmente perdidas dentro de nós.
O resultado é um caos interno onde muito se sabe, mas pouco se pode aplicar. Ficamos com muito conteúdo praticamente inútil, já que não se comunica com outras esferas e gera uma incapacidade de criar, refletir, sentir, contemplar e agir.
Na contra mão das fast-informations temos as artes, que para alguns podem soar chatas e ultrapassadas, mas que na verdade quando vistas com o tempo e abertura que merece, nos transportam para um mundo interno/externo, permitindo experienciar e viver o momento presente agregando valor e prazer interno.
Defendo pois a transmissão das informações técnicas, cultura e educação de forma mais lenta e que possa conduzir o espectador a uma discussão interna e que após a leitura o conteúdo possa acompanhá-lo por horas, dias ou até anos.
É preciso contemplar, mastigar muitas vezes a cor de um quadro, respirar com ele, ver a direção das pinceladas, sentir sua concepção. Apoderar-se e deixar-se apoderar pelo quadro. Assim deve ser também com a música, a escultura, o cinema a fotografia e toda obra que seja uma manifestação artística.
Na verdade esse processo deveria ser reproduzido em tudo, relações, trabalho, meditação e com o próprio corpo. Estar atento a isso deve se tornar uma prática diária.
Alguns vilões que ameaçam esse processo: ignorancia, preguiça e falta de tempo e de sensibilidade!
Viva o aprofundamento!!!

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Corpo como Memória

Eis que aqui sou eu, memória só. Meu corpo, memória, registro do sido e do por vir é o que é, memória. Memória do presente e do ausente, que oscila entre o já manifesto e o não.
É essa memória que como um vapor recobre meu corpo por dentro e por fora e ativa os eretores de meus pêlos a um cheiro "lembra?"...
Dança a memória de um tecido a outro, da pele aos músculos e às vísceras, anima-os como o sopro inicial. Talvez, como lembrança dele, seja toda a memória, o Sopro, ressoprado a todo instante, eternamente lembrado.
Pancadas, dores, orgasmos e pensamentos, tudo marcado em mim. Marca há em meu corpo até da morte que não morri.
Lembrar, memorizar, recordar não são a memória da qual falo. Falo da memória em meu corpo que une passado, presente e futuro, que junta em si tudo o que já foi e será. A memória não está nas partes...apesar de estar.
Imaginando um jarro que se quebra, o despedaçado...é um separado em vários ou serão vários uns. 
Jung dizia que existe um inconsciente coletivo, será então que nossas consciências são vários uns separados ou um separado em vários? E nossas memórias? E nossos corpos?
Cada vez que tento encontrar essa memória plena ela se desfaz, se me calo ela parece se aproximar mas faz suspense e não se mostra.
Tento apenas sentir meu corpo, senhor e escravo da memória. Senhor por contê-la e escravo por responder a ela.
Sou material memória, afinal não existe memória imaterial.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Mulher Chorando de Pablo Picasso



Uma mão, com traços arredondados, mais “humana”, lembrando uma mão pré-industrial, uma mão artesanal, que sente e cuida de todo o processo de seu início ao final. Contrastando com ela a outra mão, dura, angular transparente (chegamos a ver a boca através dela), lembrando as anti-naturais linhas retas das grandes cidades, mãos adaptadas a poucas tarefas.
A face direita mais puxada para o amarelo, a esquerda para o verde. Sobrancelha direita arredondada, esquerda reta.
Sua imagem se apresenta como se fossem dois entes distintos habitando o mesmo corpo, lado direito e esquerdo do corpo tão diferentes são como dois exércitos inimigos que se encontram na linha central do corpo e geram enorme tensão.
Essa dor é causada pelo encontro desses exércitos, pela tensão dessas duas partes? Ou será que é a dor que gera essa divisão no próprio corpo?
Lembrando um texto de Ítalo Calvino:
“...era o sinal; o céu vibrou como se fora uma membrana esticada; as ratazanas enfiaram as unhas na sujeira de suas tocas; as pegas, com as cabeças enfiadas sob as asas arrancaram uma pena da própria axila, machucando-se; a boca da minhoca comeu a própria cauda, e a víbora picou-se com seus dentes; a vespa partiu o ferrão em uma pedra, e todas as coisas voltavam-se contra si mesmas, a geada nas poças gelava, os líquens transformavam-se em pedras e as pedras em líquens; a folha seca virava terra, a seiva espessa e dura matava impiedosamente as árvores. Assim, o homem investia contra si mesmo, trazendo em ambas as mãos uma espada.”
A boca, branca e preta, explode em sua manifestação plena raios de dor brancos e pretos. Porém em meio a explosão, as lágrimas, ou melhor, a lágrima, escorre lenta e redonda, quase atemporal como um mito. Olhos tão redondos, boca e garganta tão angulares.
De tanta dor os olhos já se soltaram das órbitas e estão perdidos no espaço, como se tentasse seguir algum fluxo mental ou emocional. Eles suplicam..."não mais, por favor!", não querem mais ver e pelo mesmo motivo a orelha, que por não mais querer escutar, se fecha com um brinco.
O centro da cena, oscila dos olhos para a boca, porém o mais interessante é que, diferente de outras polaridades que encontram um meio termo, nosso olhar não é conduzido para o espaço entre os olhos e a boca, mas sim faz com que salte dos olhos para a boca e vice-versa, como se houvesse um vazio entre eles onde não fosse possível parar o olhar. Talvez o vazio da dor, talvez uma “simples peripécia” do cubismo.
Ao redor da mulher apenas linhas retas. Numa espécie de adaptaçãoo, seu corpo também contêm essas linhas retas. Adapta-se para sentir menos dor? Sente dor por adaptar-se? E assim internalizar o conflito?
Provavelmente Por nenhuma dessas situações, pois mais do que adaptar-se os corpos criam. E ao criar, conflitam e ao conflitar criam.
Como um diamente que se embrutece e se lapida continuamente, a criatividade dos corpos vai moldando-os a si mesmos e ao espaço a sua volta numa criação conjunta sem função específica, mas que possibilite a perpetuação do ato criador.
A criação, intimamente ligada aos mitos de origem, é a necessidade mais básica e sagrada do homem.
A criação tem como fim a própria criação.

Rogério Queiroz

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Menino Morto de Cândido Portinari


Em meio à seca escorrem as lágrimas, é a dor molhada em um cenário de areia que não vê chuva por incontáveis tempos.
Contrariando tudo o que se diga a respeito, e sabemos que o dizem, a morte esperada e sabida não é menos doída.
Nem a aridez que se faz aguda e crônica, por sua intensidade e (per)duração, consegue desidratar a alma que em surto de paixão, bombeia água de poços misteriosos conduzindo-a a sair pelos olhos, esguichando, dignas de um arroubo expressionista.
Os antebraços e canelas, de cor e aspecto semelhante aos utilizados pelos estudantes de medicina em suas dissecações, são prenúncio de sua própria finitude, por sinal próxima. Se para Freud os antebraços eram o foco da manifestação orgânica na histeria feminina, aqui são apenas morte. A diferença entre a vida e a morte aqui é que a vida chora, a morte não. A vida insiste em ser molhada.
Talvez, então, por desisitirem da vida eles chorem, coloquem a vida para fora e ao fazê-lo fecundem o solo, como em muitos mitos em que lágrimas de dor produzem vida. Sugestivos mitos.
Dor pela vida, dor pela morte, como num parto às avessas a morte dói também.
Parecem estar eles sem pele, estarão representados assim por estarem sentindo muita dor ou, por Cândida clemência, aparecem esfolados justamente para sentirem menos, já que pele, nervos e cérebro têm mesma origem embriológica. Retira-se a pele para eliminar receptores nervosos.
Porém não estão totalmente sem pele, à excessão do pequeno falecido com feição cadavérica, todos possuem pele sobre a face. É muito mais fácil manter a máscara sobre o rosto que sobre o corpo, mesmo assim a dor e o choro conseguem desfigurar essa máscara.
Será por isso que na dor seja tão comum esconder o rosto, fechar os olhos ou levar as mãos à face? Para não correr o risco de as lágrimas desmancharem essa máscara tão duramente construída e, assim, serem (re)conhecidos pela morte, pelos outros ou por si próprios?
Vemos também a tentativa de esconder o corpo, e desta forma o sentir, dobrando-o para a frente ou torcendo-o de alguma forma.
No quadro podemos observar também que a criança mais nova aparece de frente, sem esconder seu rosto ou corpo. Ela não corre o risco de perder suas máscaras, afinal não chora. É capaz que nem saiba possuir uma máscara. Ela é uma espécie de narradora e interlocutora entre o quadro e o espectador já que tem um dos olhos voltados para cena e o outro para nós. Que tragédias será que ela contempla?
Os corpos tão desabados nos indicam a falta, falta de água, de alimento, de ligamentos, de vida e de pele. A fragilidade é tanta que ao mais leve toque esses personagens se esfacelariam, como tantos outros castelos de areia, secos.
A cor dos corpos não mais é a cor do solo, do qual lhe dizem ser descendentes por intermédio de Adão. perderam o rubro da alegria e da vitalidade, empalideceram. Assemelham-se agora mais à cor da cabaça, fruto morto e oco. Aliás, através da cabaça, lembram-se de que a água perdida mesmo reposta não produz vida. A cabaça, mesmo cheia d´água jamais voltará a ser fruto.
Então por que choram? Por que desperdiçam sua água contrariando todas as outras espécies de animais e também vegetais?
Talvez chorem pela falta de chuva, que só fica como ameaça e promessa no céu sem trazer-les a possibilidade de vida.
Choram porquê a dor da alma desafia a natureza.
Rogério Queiroz

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Salto no escuro



Todo início é um salto no escuro e aqui estou eu experimentando um novo início. Por mais vontade que tenha de escrever aos outros, a idéia de levar meus escritos à público me assusta e amedronta.
Sinto todos os meus medos, do ridículo, da rejeição e da decepção me assombrando e me seduzindo a não publicar, mas existe também outro lado, mais ousado, que quer ver se minhas elocubrações pessoais encontram reverberação em outros seres.
Meu desejo neste blog é levantar questões que possam contribuir de alguma forma com o crescimento e desenvolvimento pessoal de quem se interessar por estes textos e imagens.
Não que eu pense que tenha algo a ensinar, mas cada um ao se deparar com reflexões pode despertar em si novos pensamentos, desejos, intuições e imagens que tenham o poder de mover algo interno.
Concordando com o dizer, "Nada se ensina, tudo se aprende", espero que o conteúdo desse Blog possa em alguns momentos provocar e em outros amenizar questões internas... é o máximo de pretensão que almejo.
No mais...apenas desabafar o que penso e sinto.
Espero que se divirtam e aproveitem.

Rogério Queiroz