sábado, 7 de janeiro de 2012

Mulher Chorando de Pablo Picasso



Uma mão, com traços arredondados, mais “humana”, lembrando uma mão pré-industrial, uma mão artesanal, que sente e cuida de todo o processo de seu início ao final. Contrastando com ela a outra mão, dura, angular transparente (chegamos a ver a boca através dela), lembrando as anti-naturais linhas retas das grandes cidades, mãos adaptadas a poucas tarefas.
A face direita mais puxada para o amarelo, a esquerda para o verde. Sobrancelha direita arredondada, esquerda reta.
Sua imagem se apresenta como se fossem dois entes distintos habitando o mesmo corpo, lado direito e esquerdo do corpo tão diferentes são como dois exércitos inimigos que se encontram na linha central do corpo e geram enorme tensão.
Essa dor é causada pelo encontro desses exércitos, pela tensão dessas duas partes? Ou será que é a dor que gera essa divisão no próprio corpo?
Lembrando um texto de Ítalo Calvino:
“...era o sinal; o céu vibrou como se fora uma membrana esticada; as ratazanas enfiaram as unhas na sujeira de suas tocas; as pegas, com as cabeças enfiadas sob as asas arrancaram uma pena da própria axila, machucando-se; a boca da minhoca comeu a própria cauda, e a víbora picou-se com seus dentes; a vespa partiu o ferrão em uma pedra, e todas as coisas voltavam-se contra si mesmas, a geada nas poças gelava, os líquens transformavam-se em pedras e as pedras em líquens; a folha seca virava terra, a seiva espessa e dura matava impiedosamente as árvores. Assim, o homem investia contra si mesmo, trazendo em ambas as mãos uma espada.”
A boca, branca e preta, explode em sua manifestação plena raios de dor brancos e pretos. Porém em meio a explosão, as lágrimas, ou melhor, a lágrima, escorre lenta e redonda, quase atemporal como um mito. Olhos tão redondos, boca e garganta tão angulares.
De tanta dor os olhos já se soltaram das órbitas e estão perdidos no espaço, como se tentasse seguir algum fluxo mental ou emocional. Eles suplicam..."não mais, por favor!", não querem mais ver e pelo mesmo motivo a orelha, que por não mais querer escutar, se fecha com um brinco.
O centro da cena, oscila dos olhos para a boca, porém o mais interessante é que, diferente de outras polaridades que encontram um meio termo, nosso olhar não é conduzido para o espaço entre os olhos e a boca, mas sim faz com que salte dos olhos para a boca e vice-versa, como se houvesse um vazio entre eles onde não fosse possível parar o olhar. Talvez o vazio da dor, talvez uma “simples peripécia” do cubismo.
Ao redor da mulher apenas linhas retas. Numa espécie de adaptaçãoo, seu corpo também contêm essas linhas retas. Adapta-se para sentir menos dor? Sente dor por adaptar-se? E assim internalizar o conflito?
Provavelmente Por nenhuma dessas situações, pois mais do que adaptar-se os corpos criam. E ao criar, conflitam e ao conflitar criam.
Como um diamente que se embrutece e se lapida continuamente, a criatividade dos corpos vai moldando-os a si mesmos e ao espaço a sua volta numa criação conjunta sem função específica, mas que possibilite a perpetuação do ato criador.
A criação, intimamente ligada aos mitos de origem, é a necessidade mais básica e sagrada do homem.
A criação tem como fim a própria criação.

Rogério Queiroz

3 comentários:

  1. Muito bom Roger, gostei, quando o Google deixar vou virar seguidor e vou indicar no meu blog! continue!! e vamos nos encontrar!!

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  2. Albor, me passa seu Blog por favor, que vou colocar aqui e indicar no facebook.
    Abraços

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  3. Este texto me remete à mutação, transmutação, uma alquimia interior!
    Lembro-me de uma frase cabalística antiga: “O sopro do criador torna-se pedra; a pedra converte-se em planta; a planta em animal; o animal em homem; o homem em espírito e o espírito em Deus”.

    Ainda outro dia, eu estava refletindo e fazendo conexão sobre caminhos e decisões, e encontrei a resposta quando me veio à mente a idéia de abrir “ao acaso” uma página do ”Minutos de Sabedoria do Carlos T. Pastorinho”, que dizia o seguinte: “Caminhe sempre resolutamente no sentido do seu progresso, e nenhuma voz malévola (obstáculo) chegará ao seu ouvido (caminho)”.
    Somos seres divinos, com inteligência e amor suficientes para realizar toda nossa trajetória existencial, entendo que o Universo e nós mesmos nos plenificamos ao nascer da energia necessária para nossa jornada terrena; que se for bem utilizada, será suficiente para desenvolvermos nossa programação existencial; ou seja, todos temos combustível para ir até o fim da vida física criando, recriando, mutando!
    Abraço enorme querido Rogério, continue compartilhando!
    Att.
    Izabelle Defaveri.

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